quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Vampiros | No Mundo e Nos Livros


Ótimo texto que encontrei agora.. =)
~•~
Tá, já sei - você está de saco cheio de vampiros, certo? A ‘saga’ Crepúsculo acabou com todo e qualquer tesão que você tinha pelos morto-vivos dentuços e você preferiria uma estaca no coração a ler mais um artigo chato sobre eles. Mas o que você talvez não saiba é que todas as séries de vampiremos tragiromânticos que estão surgindo ultimamente são apenas o resultado de uma transformação constante em nossa sociedade. Vampiros são seres mitológicos, e mitos não são meras histórias - são alegorias, e a maneira como a ficção trata os vampiros revela como a sociedade que produziu aquela ficção trata aquilo que os vampiros realmente representam.
Não, não é sexo. Se você acha que vampiros representam sexo, você provavelmente está pensando demais em sexo, e eu sugiro que você vá encontrar um dos órgãos sexuais de sua preferência e aplique-o a seus orifícios ou protuberâncias anatômicas, conforme necessário. Ah, sim, claro, como Drácula pode não ser sobre sexo? O grande predador, que pega nossas mulheres e as transforma em viciadas como eles, etc. Sim, Drácula é sobre sexo, provavelmente porque Bram Stoker também estava precisando aplicar um órgão sexual a seus orifícios e protuberâncias, mas não conseguia porque Lord Byron tinha todos os órgãos sexuais da Inglaterra vitoriana com ele. Drácula fez vampiros serem sobre sexo - mas não é isso que eles realmente representam.
Não. Os vampiros são os ricos. Muito antes de Karl Marx crescer a sua barba contos medievais já eram alegorias para a luta de classes.
Vamos começar do começo. Os registros mais antigos de alguma coisa que pode ser talvez chamado de vampiro datam da Idade Média. Como naquela época não existia copyright esses registros eram muito díspares, mas vamos pensar no vampiro clássico, já que ele é a forma do mito que sobreviveu. O que representa o vampiro para o aldeão medieval carregador de merda? Ele sai à noite, porque ao contrário do aldeão, que trabalha o dia todo e dorme assim que o sol se põe, o vampiro não trabalha. Na verdade, o vampiro odeia tanto trabalhar que se ele não está na cama quando é hora do trabalho, ele morre! Mas apesar disso, o vampiro vive e vive bem, porque ele suga o sange dos habitantes. Uma alegoria óbvia até demais para um aldeão que tinha que pagar todas aquelas taxas com nomes malucos que a gente aprendeu na escola, como talha, corveia, banalidade e mão-morta, e que talvez tivesse que passar fome para dar o trigo para seu senhor fazer um canapé. Como resistir a essas criaturas? Ora, através da fé! O bom aldeão vai para o céu, mesmo que ele não saiba nada sobre religião porque as missas são todas em latim; quando o vampiro se confronta com os artefatos da fé, ele não tem escolha senão fugir, e o aldeão sobreviverá para morrer de fome, tifo ou diarreia crônica.
Certo, então não é tanto uma luta de classes quanto um massacre de classes. O vampiro medieval é um bicho papão: mortal, insidioso, raramente visto, mas cuja influência é sempre sentida. A Revolução Francesa ainda não havia começado, como seu pode lutar contra eles?
O próximo passo do mundo dos vampiros seria o já mencionado Stoker, que, sim, inventou a metafóra de vampirismo em sexualidade de uma maneira que somente um inglês do século XIX conseguiria fazer. Mas se a metáfora fosse apenas sexualidade, o vampiro poderia ser apenas um estudante tarado francês que estaria fadado a ser eventualmente intepretado por Johnny Depp. Por que o vampiro tem que ser um conde da Fimdomundânia? Existem muitas explicações aí, tais como o fato de que Drácula era um dos ‘romances de invasão’ que eram comuns na época e satisfaziam mais ou menos o mesmo nicho que Call of Duty atende para os EUA de hoje, mas eu vou ignorar essas outras explicações e encontrar uma que apoia minha tese, porque é assim que a CIÊNCIA funciona. 
Sendo o berço da revolução industrial, a Inglaterra foi o primeiro lugar em que surgiu uma classe social que estava entre os aristocratas decadentes e os peões comedores de terra - uma espécie de classe média, ha ha ha. Ao se tornar um dono de fábrica, ou entrar em qualquer fase do sistema de produção de badulaques manufaturados em massa, o inglês pôde utilizar a tecnologia para se tornar mais rico, ao invés de ter que depender na maneira mais tradicional até então de torcer para que a sua mãe fosse a mulher de um barão. Como esta nova classe burguesa se considerava como merecedora de sua riqueza - pois havia trabalhado por ela - ela antagonizava com a ideia da riqueza hereditária e dos títulos nobiliárquicos, que claro, ainda existiam na Inglaterra, mas provavelmente eram ainda mais marcantes nos rincões mais afastados da Europa, aonde a Revolução Industrial ainda não havia chegado. No final do romance, nossos bravos protagonistas se utilizam de trens e navios a vapor - tecnologia de ponta da época - para interceptar o maligno conde antes que ele possa voltar para seu antiquado castelo transilvano, finalmente conseguindo capturá-lo enquanto ele viajava em uma carruagem. Não sei se você considera isso uma metáfora sexual, mas eu normalmente não uso trens e navios a vapor na privacidade do quarto. A estaca no coração do Drácula representa o fim do domínio dos aristocratas jurássicos sobre o poder econômico, que passa para jovens procuradores que sabem usar o mundo moderno para aumentar suas fortunas.
Ainda assim, o romance de Stoker marcou as pegadas que todo o resto do mundo seguiu, com ênfase na teoria do Vampiro Sexual, que também é o nome da minha banda cover do Cabaret Voltaire. Como nos próximos anos a cultura mundial iria dançar a música dos Estados Unidos, e os Estados Unidos são um país fundado por pessoas que achavam que a religião opressiva onde eles moravam não era opressiva o suficiente, essa associação forçou os vampiros a se esconderem no gueto das noveletas de segunda categoria. E como nesses livros subtexto é nota de rodapé e simbolismo sexual é a plaquinha do banheiro, os vampiros passaram a representar o sexo através do sexo mesmo, enquanto que a metáfora socioeconômica desaparecia em uma sociedade calvinista que não queria insultar os pobre mega-ricos. Assim os vampiros metafóricos de Wall Street continuaram esperando que essa bobagem de sindicato perdesse a graça e se acabasse enquanto que os vampiros literais se reduziram a meros remakes de Stoker.
Blade, o personagem da Marvel, foi o primeiro ômen do retorno dos vampiros a seu simbolismo. Pareceria normal que as histórias de quadrinhos resgatassem isso, já que a metáfora sexual estava proibida pelo Comics Code Authority, mas eles pareciam pouco interessados em explorar as outras metáforas deste mito, talvez porque eles passaram a maior parte dos anos sessenta tentando chamar a atenção do público com o Super-Homem usando um chapéu estranho e perguntando por que o Super-Homem estaria usando um chapéu tão estranho. Nas histórias em quadrinhos, os vampiros apareciam completamente despidos de qualquer simbolismo e eram apenas mais um homem malvado voador de capa pro Homem-Aranha dar um soco, então talvez Blade, o vampiro bonzinho, seja apenas mais uma variação de cara superpoderoso com capa. Mas a ressurreição do vampiro estava por vir.
Graças a um processo misterioso e desconhecido chamado anos noventa, os vilões se tornavam anti-herois e os vampiros se aproveitaram disso em shows como Angel e Tru Blood. Angel, inclusive, é o ponto máximo do vampiro arrependido como bilionário filantropo: ele surge como um vilão, lentamente se revela como um campeão do bem, e até aceita trabalhar para uma companhia malvada em troca dos seus recursos! (Vejam crianças, não são os pobres ricaços que demitem milhares de pessoas em troca de uma economia de doze centavos por mês, são as companhias sem coração em que eles trabalham.) Enquanto isso acontecia, Bill Gates abandonava a Microsoft para ir salvar a África, Bono fazia a mesma coisa enquanto parava pra retocar a maquiagem, Steve Jobs virava o santo patrono das maçãs e dos hipsters, e todo mundo fica olhando Donald Trump e Roberto Justus despedirem panacas bem vestidos por não serem panacas e/ou bem vestidos o suficiente. O mundo de repente ama os ricos; estamos resignados com o fato de que eles existem e apenas esperamos que eles cumpram a noblesse oblige e façam o mundo melhor através de seus misteriosos caminhos de gente rica, ou se não fizerem que pelo menos apareçam em um reality show ou morram durante uma sessão de asfixia autoerótica pra gente ter sobre o que conversar no dia seguinte. É alguma surpresa que o pálido Edward Cullen tenha surgido nessa situação? Todo mundo já ama vampiros/ricaços; Crepúsculo meramente leva esse amor às vias de fato.
Ou pelo menos era assim, até pouco tempo. Porque hoje, ainda há pessoas nas ruas protestando contra o que elas chamam de um porcento. Contra o sistema que deixa os ricos mais ricos. Contra o poder que flui do dinheiro. Vampiros possuem o poder da sedução sobrenatural, mas mesmo esses poderes tem seus limites: o povo está cansado de ter o seu sangue sugado, e com tochas e forcados segue ao castelo do Drácula. E em breve, isso se reflitirá na cultura. Prepare-se para o fim do Blade e do Angel, para os vampiros retornando a seu papel original de velhos homens pálidos se reunindo em cabalas sombrias e usando seus inescrutáveis poderes para controlar todos os aspectos de nossas vidas, porque no fim das contas a arte imita a vida. E quando alguém disser que esse retorno dos vampiros ocorreu porque os fãs dos vampiros verdadeiros estavam cansados dos vampiros cobertos de glitter de Crepúsculo - bom, não estará completamente errado.

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